O Imaginário da Cidade e a Globalização
Antonio Chalhub (chalhub.vix@terra.com.br),
professor da Faculdade de
Ciências Humanas de Aracruz / ES, Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Universidade
Federal do Espírito Santo – UFES, Departamento de Arquitetura e Urbanismo - DAU,
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU, Mestrando / 2008.
RESUMO:
A cidade é sempre uma infinidade de
informações prenhes de atributos que formam um juízo de valor cultural
representativo socialmente. É uma rede simbólica que se manifesta em um sistema
de estruturas espaciais e humanas. A instituição de um imaginário da cidade seria
um catalisador da sua transformação socioambiental. As cidades seriam máquinas
de sentir, de experimentação sensório-motora em um espaço-tempo. E seu imaginário
poderia, ainda, agregar valores conectando a identidade cultural local a
atributos globais, como uma mais valia espacial, isto é, referência espacial de
subjetividade dentro da rede mundial de cidades.
Palavras-chave: cidade, imaginário,
globalização.
O Imaginário da Cidade e a Globalização
Introdução:
O espaço é uma totalidade e não
existe desconectado de uma vida pulsante, de uma vida social que o produza como
lugar de uma existência humana. A sua derivação para o urbano apenas denota uma
singularidade na distinção desta região que apóia os processos de produção e
seus fluxos de consumo de bens e serviços, enquanto organização de vida social
sobre um território (SANTOS, 1985, p. 47). Entretanto, da cidade poder-se-ia depreender
três dimensões, quais sejam, a cidade enquanto civitas, isto é, fator de agregação social e condição humana, a
dimensão da pólis como construção
política de convivência social com um pacto de pertencimento a uma determinada
comunidade e, por último, a da urbe enquanto fenômeno decorrente de um modo de
produção social e domínio do território. Lewis Munford (1982) também apresenta
a cidade com uma função espiritual de re-ligação dos seres humanos com uma entidade
superior e com um forte simbolismo estético, latente desde sua origem e com todas as características essenciais, “[...]
O recinto murado, a rua, o quarteirão de casas, o mercado, o recinto do templo
com seus pátios interiores, o recinto administrativo, o recinto das oficinas –
tudo isso existia pelo menos em forma rudimentar [...]” (MUNFORD, 1982, p. 104).
Ortega y Gasset (1982) infere que a vida humana é resultado de sua própria
interpretação da realidade, fabricação de si mesma, sendo a técnica uma condição
intelectual do ser humano que permite a sua liberdade das necessidades
materiais de sobrevivência e o coloca em uma condição de vida em um nível acima
do essencialmente animal. A cidade é,
também, uma construção humana na história através da técnica, portanto, algo
não natural, como um estranhamento da natureza (ORTEGA Y GASSET, 1982).
O espaço da
cidade consolida em sua história diversos impactos ambientais urbanos que são
incorporados à cultura e à sua imagem social. Todos os elementos espaciais,
construídos ou geográficos, são estruturantes de uma paisagem urbana e
carregados de significações. Essa paisagem urbana é o resultado de enormes e sucessivas ações humanas
sobre o território em um processo cumulativo historicamente e ainda em curso. Milton Santos (1985) mostra que um
elemento no espaço deve ser entendido como um feixe de forças e não enquanto
uma mera extensão.
A maior parte da
superfície terrestre é um imenso depósito de signos conscientemente deixados
por quem nos precedeu: cidades, vilarejos, casas, [...]. Neste imenso arquivo
de signos, podemos igualmente apreender um vasto conjunto de intenções, de
projetos, bem como de ações concretas de pessoas, de pequenos grupos ou mesmo
de sociedades inteiras (SECCHI, 1998, p. 15).
No processo de produção social do
território estes elementos, que têm funções urbanas, em relação às instituições
humanas de organização e controle configuram um “sistema de estruturas” (SANTOS,
1994, p. 16). Em Milton
Santos (1985), o meio ecológico é composto por territórios
que são a base física do trabalho humano. O trabalho humano materializado e
geografizado na forma de infra-estrutura, casas, plantações, estradas e etc
constituem, junto com os meios ecológicos, os sistemas de elementos do espaço
urbano. E este sistema complexo de estruturas espaciais e humanas estabelece
uma rede significativa em constante mudança e gera, sempre, novos significados
conforme seu atributo e sua posição como objeto1 no contexto espacial.
É claro que há, também, uma
diferenciação entre pensar em um sistema de estruturas espaciais no tempo
presente, ou mesmo em vias de se fazer, e o sistema apreendido como tendência,
portanto, apenas como um vislumbre de futuro possível conforme as predominantes
linhas de força (SANTOS, 1994, p. 19). Portanto, todas as estruturas espaciais
ou institucionais da cidade se caracterizam enquanto elementos essencialmente
carregados de uma força informacional e de uma memória técnica2. Assim, todo elemento do espaço representa
um “meio técnico-científico-informacional”, isto é, uma construção ou
reconstrução histórica “[...] com um crescente conteúdo de ciência e de técnica
[...]” que vai além da sua simples funcionalidade e da sua morfologia, mas
também imbuído de significados e atributos sociais (SANTOS, 1994, p. 139).
Desenvolvimento:
Os resultados da ação histórica dos
homens sobre o meio ambiente - técnica x natureza - são, ao longo do tempo,
apresentados como dominação e consolidados enquanto significações que mudam de
acordo com o momento histórico. Estes aparecem através das conexões simbólicas
que a sociedade estabeleceu entre a expressão de um fenômeno urbanístico,
arquitetural ou cultural, ou seja, como uma identidade daquele período.
Portanto, a própria história da cidade carrega significados e representações de
um simbolismo que ora é individual do historiador, ora é coletivo como
reconhecimento social. Ajudam também moldar uma representação simbólica da
cidade as narrativas pretensamente científicas, ou neutras, mas que no fundo
estarão sempre representando uma percepção singular do mundo. Mas serão sempre
ambigüidades como um “conto imaginário” e os seus discursos não seguem o real,
apenas o significam (LE GOFF, 1996, p. 38). No entanto, o urbanismo na sua
gênese como ciência também começou a se debruçar sobre os fatos urbanos como
totalidade para delimitá-los como campo de investigação e atuação. Essas
narrativas da cidade foram se tornando um corpo articulado de informações,
gerando novos conhecimentos através de conceitos e se firmando enquanto área de
saber dos arquitetos e urbanistas.
[...] a cidade é o progresso da
razão humana (porque coisa humana por excelência) e esta frase tem um sentido
apenas quando iluminamos a questão fundamental, ou seja, que a cidade e cada
facto urbano são por sua natureza colectivos. Muitas vezes me interroguei sobre
o porquê de só os históricos nos darem um quadro completo da cidade; creio
poder responder que isto sucede porque os históricos se ocupam do facto urbano
na sua totalidade (ROSSI, 1966, p. 63).
Os vestígios humanos são testemunhos
históricos, e, portanto, documentos prenhes de significação da cidade, amálgamas
dos fragmentos do passado com o conteúdo de vida atual. É, pois, um museu e um
livro abertos e livres para os indivíduos. A face exposta em sua arquitetura, como
uma imagem da cidade, apresenta-se
enquanto carga simbólica de comunicação morfológica e tipológica que tem uma
leitura social subjacente. Não se trata aqui de uma imagem da cidade como
preconizada em Kevin Lynch (1973), onde há uma importante contribuição na
análise qualitativa da questão urbana por suas pesquisas sobre o modo como as
pessoas observam, transitam e percebem a cidade, mesmo ele tratando apenas com
um certo grupo social. Lynch (1973) demonstra como os indivíduos percebem e
organizam informações quando circulam pelo espaço urbano e as influências do
tempo e da história na interpretação da cidade. É importante o seu conceito de
que as pessoas criam “mapas mentais” para compreender e viver no espaço urbano,
onde vias, limites, bairros, pontos nodais e marcos de referência formam uma
rede de informações sígnicas essenciais para a vida social nas cidades (LYNCH,
1973).
A cidade é um conceito
abstrato produzindo subjetividade o tempo todo e essa é sua força imaginativa,
pois ela possui todos os seres humanos. A subjetividade é relação de devir,
individuação existencial, processos das multiplicidades que “[...] ultrapassam
a distinção entre a consciência e o inconsciente, entre a natureza e a
história, o corpo e a alma” (DELEUZE e GUATARRI, 1995, p. 08). A cidade deve ser entendida como uma “[...] cartografia
multidimensional da produção de subjetividade” (GUATARRI, 2006, p. 176). Está
no espaço da arte como obra coletiva e social, como manifestação do espírito
humano. E com este caráter universal a cidade torna-se suscetível de atributos
e objeto de juízo de valor (ARGAN, 1992, p. 220).
O espaço urbano é um processo onde os
simbolismos alicerçam uma sensação de integração em uma comunidade e ao mesmo
tempo um entendimento de qual é o seu lugar na organização social refletida no
espaço. O espaço se encarrega, pois, de dialogar com o indivíduo e estabelecer
os limites e as correlações de lugar de acordo com os elementos que configuram uma
linguagem e escritas urbanas. Ou seja, não é apenas objeto-mercadoria da
sociedade pós-industrial, mas, acaba por imprimir e expressar um sentido para
estes elementos e objetos dentro de uma estrutura e de um sistema espacial. O
sentido na arquitetura seria dado por uma “linguagem arquitetural” onde o
espaço pode ser temporalizado, como prisão do espírito, “[...] numa dimensão
específica da arquitetura: a dimensão do imaginário” (COELHO NETTO, 1999, p.
97).
A cidade, pois,
está além daquela visão de funcionalidade, como máquina de viver em comunidade,
ou de uma noção econômico-racionalista de produção social do espaço destinado à
satisfação das necessidades da vida humana em sociedade. A organização social
atua na transformação do território e de certo modo cria um repertório espacial
simbólico. A transformação do território, mesmo feita de modo planejado para
mitigar os impactos ambientais, carrega nova carga simbólica. As propagandas
desses novos espaços embutem uma nova imagem como atrativo nas vendas de
terrenos, de apartamentos e de bairros inteiros. Mendonça (1995) destaca
elementos de morfologia urbana, de tipologia arquitetônica e de um planejamento
estatal, bem como da ação de movimentos sociais, para uma definição de
territorialidade / identidade de lugar. No entanto, aponta como categoria de
intervenção para (trans)formação do território vantagens na melhoria da sua imagem.
Dessa forma, porções do espaço da cidade, enquanto “consumo coletivo”, é
resultado de intervenções que criam identidades no ambiente construído e servem
para “transformar a imagem”, assim concedendo-lhe um novo “status” (MENDONÇA,
1995, p. 2005).
Na realidade, trata-se de meios
materiais de um tipo radicalmente não-mercantil
(ou misto), muito embora sejam objetos de uma avaliação mercantil, pois o
que produzem não é um produto material, mas um serviço, uma informação, no
sentido lato do termo produzem SENTIDO (LOJKINE, 1997, p. 15).
É, portanto, na representação
espacial que esta articulação da sociedade com o mundo, através da técnica, dos
elementos arquitetônicos e urbanísticos, define sua identidade cultural, na
medida em que “todas as identidades
estão localizadas no espaço e no tempo simbólicos” (HALL, 2005, p. 76). Desse
modo, pode-se entender que o espaço urbano contém diversos elementos espaciais
informacionais – EEI`s como sínteses tecnogeográficas, isto é, representação
lógica e articulada do espaço como um conjunto de fixos e fluxos interagindo no
espaço-tempo geográfico (SANTOS, 1985). Esse termo, tecnogeográfico, é
apresentado por Milton Santos (2002) como fruto da inteligência humana em
interpolar um meio misto que seria técnico e geográfico ao mesmo tempo. Este elemento
é algo ou porção da cidade que desperta alguma significação, seja individual
e/ou coletiva, transformando-se em referência simbólica da vida em sociedade, mesmo
que também tenha uma função logística estrutural ou institucional. Assim, os “[...]
objetos geográficos, cujo conjunto nos dá a configuração territorial e nos
definem o próprio território, são, a cada dia que passa, mais carregados de
informação” (SANTOS, 1994, p. 140).
Estes elementos espaciais
informacionais – EEI`s estão intrinsecamente conectados na totalidade do espaço-tempo.
São coisas e pessoas, fluxos e fixos, ou seja, tudo aquilo que configura a
realidade sensível e perceptível da paisagem e da vida humana. Quando estas
estruturas e elementos se transformam em referências simbólicas3 da vida em sociedade estão produzindo
subjetividade e se credenciando também junto ao processo de produção imaterial[i]. Desta
forma, são como patrimônios artísticos, arquitetônicos, paisagísticos e culturais
da cidade, ou seja, como bens coletivos com atributos imateriais, que estes
elementos se incorporam ao simbolismo da cidade. Mas, a cidade como “sistema de
informação” está prenhe de enormes
possibilidades e de variáveis para as diversas leituras e interpretações desses
mesmos atributos espaciais. Argan (2005) fundamenta esse sistema de informações nas
referências históricas e da memória (2005, p. 223)
A cidade como categoria de
espaço-tempo foi pensada por Milton Santos (1994) para exprimir a necessidade
de se articular o conceito de espaço como categoria histórica ao longo de um
tempo mutante socialmente.
A cidade é, ao mesmo
tempo, uma região e um lugar, porque ela é uma totalidade, e suas partes
dispõem de um movimento combinado, segundo uma lei própria, que é a lei do
organismo urbano, com o qual se confunde. Na verdade, há leis que se sucedem,
denotando o tempo que passa e mudando as denominações desse verdadeiro
espaço-tempo, que é a cidade (SANTOS, 1994, p. 71).
Pode-se depreender que não só os
elementos manufaturados, organizacionais ou políticos se caracterizam enquanto
objetos da técnica humana sobre o espaço, mas também suas conexões no espaço-tempo
histórico. Essa é uma tecnoestrutura, na medida em que são os resultados de
inter-relações do sistema de objetos com as estruturas sistêmicas sociais e as
estruturas ecológicas (SANTOS, 2002, p. 38). Assim, até os objetos naturais são elementos espaciais urbanos em sua
relação com o modo de viver da civilização ou elementos espaciais
informacionais. Quando os objetos técnicos são
compreendidos como aqueles possíveis de serem utilizados pelo homem é claro que
todos os elementos da natureza ou do planeta enquanto sistema espacial de
totalidade de vivência da civilização humana serão objetos técnicos potenciais
(SANTOS, 2002, p. 38). A cada momento que o ser humano faz um re-conhecimento
de um elemento em seu meio tecnogeográfico está produzindo uma síntese
informacional.
Dessa forma, a cidade é sempre uma
infinidade de informações espaciais e arquiteturais4 prenhes de valores e, possivelmente, poder-se-ia
formular um juízo ou legitimar politicamente um valor cultural representativo
socialmente para cada lugar. Essa topofilia, derivada de um lugar, terá, porém, tantas significações quantos forem os usuários
do espaço, em inter-relação espacial sensóio-motora e afetiva com esses elementos
urbanos. No livro de Tuan (1980), essa abordagem de um topos espacial e que contenha atributos socialmente reconhecíveis
pode ser depreendido. Interessa nesse momento o aspecto quase que de sinônimo
de “lugar social”, ou de pertencimento de um indivíduo em seu espaço no mundo e
em relação a outros entes sociais. A topofilia é um neologismo amplo que inclui
“todos os laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente material” (TUAN,
1980, p.107). No entanto, quando esses juízos de valor se configuram como
referenciais da cultura citadina passam a ter atributos sociais e se tornam
politicamente reconhecidos, legitimados e preservados. Ou seja,
institucionalizados enquanto elementos simbólicos.
Não se trata pois dos
objetos definidos segundo sua função, ou segundo as classes em que se poderia
subdividi-los para comodidade da análise, mas dos processos pelos quais as
pessoas entram em relação com eles e da sistemática das condutas e das relações
humanas que disso resulta (BAUDRILLARD, 2006, p. 11).
A percepção que os indivíduos têm do
espaço, seja como paisagem ou como território, é a mais variada possível. No
entanto, como membros de uma mesma espécie, os seres humanos, são limitados a
perceber o mundo de acordo com seus aparelhos sensoriais e motores. Esta
unicidade da perspectiva humana precede por seu equipamento perceptual, com a
visão, o tato, a audição, o olfato e o paladar, mas pode também ser sensível às
mudanças sutis de umidade, pressão atmosférica e humor. As informações
disponíveis no espaço vivencial do ser humano são imensas. Ele “[...] percebe o
mundo simultaneamente através de todos os sentidos [...]” (TUAN, 1980, p. 12) e
elabora mentalmente regras lógicas como forma racional de entender e
representar essa realidade percebida.
[...] os seres
humanos ostentam uma capacidade altamente desenvolvida para o comportamento
simbólico. Uma linguagem abstrata de sinais e símbolos é privativa da espécie
humana. Com ela, os seres humanos construíram mundos mentais para se
relacionarem entre si e com a realidade externa. O meio ambiente artificial que
construíram é resultado de processos mentais [...] (TUAN, 1980, p. 15).
Dessa forma, pode-se, a partir da
premissa de Tuan (1980), dizer que a cidade é produto de uma elaboração mental
e simbólica do ser humano, sendo, pois, carregada de atributos e
intencionalidades. Mais que isso, elabora uma estrutura de respostas
psicológicas comuns para entender essa experiência espacial. Apenas essa
memória perceptiva no espaço poderá fornecer elementos suficientes e
complementares ao processo mental de elaboração de uma imagem simbólica. O
costume de estruturar o espaço em posições, formas, cores, direções,
substâncias e outros, “[...] estimula uma visão simbólica do mundo” (TUAN,
1980, p. 26). Dessa forma, o símbolo é incorporado ao espaço urbano como algo
que tem um sentido implícito e pode ser socialmente reconhecível, legível como
elemento de um repertório espacialmente estruturado em forma de cidade, baseado
em sentimentos topofílicos.
A experiência humana do fenômeno da
urbanização na civilização contemporânea coloca a cidade como um elemento
simbólico quase que universal. Alguns significados espaciais são depreendidos
ou assimilados de modo natural, mas ainda podem ter gradações muito peculiares
na composição de um imaginário de acordo com o indivíduo que o percebe.
Portanto, as intervenções humanas sobre o território alterando a paisagem podem
ser consideradas desígnios com uma intenção e também geradores de imagens e
significações incorporadas ao processo histórico da vida de uma determinada
sociedade.
A “sintaxe espacial”5 busca estabelecer relações entre a estrutura
espacial de cidades e de edifícios com “a dimensão espacial das estruturas
sociais” (HOLANDA, 2002, p. 92). Tem o propósito de “[...] olhar para
sociedades espacialmente” e compreender as relações entre arquitetura e
sociedade (HOLANDA, 2002, p. 115). Dessa “lógica espacial” emergem três níveis
analíticos, quais sejam, padrões espaciais / vida espacial / vida social
(HOLANDA, 2002, p. 93). A identidade espacial da cidade também estabelece como
categoria de análise específica os aspectos simbólicos (HOLANDA, 2002, p. 76).
E esse referencial teórico possibilitaria relacionar “atributos espaciais e
estados de espírito” (HOLANDA, 2002, p. 77). Portanto, estes aspectos
simbólicos e as representações do imaginário da cidade podem ajudar no
entendimento do tempo e lugar históricos, como um “plano de valores”. A
variação espacial seria, pois, depreendida enquanto “[...] elemento
constituinte, isto é uma forma por meio da qual tais dimensões abstratas se
manifestam no mundo real” (HOLANDA, 2002, p. 115). Para a cidade parece
importante aprofundar o entendimento destes aspectos simbólicos do espaço
arquitetônico em nível analítico da vida social. Assim, apresentam-se as “cidades
simbólicas” como sendo aquelas que carregam no seu tipo mórfico “símbolos de
natureza coletiva” de representação da vida social (HOLANDA, 2002, p. 125).
Ora, este é um campo provocativamente vasto de investigação para o imaginário
da cidade.
O imaginário se manifesta no fazer
histórico e na constituição de um universo de significações (CASTORIADIS, 1982,
p. 12). Segundo Castoriadis (1982), não é meramente a imagem de alguma coisa,
nem somente uma representação: “É criação incessante e essencialmente
indeterminada (social-histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir
das quais somente é possível falar-se de “alguma coisa”. Aquilo que denominamos
“realidade” e “racionalidade” são seus produtos” (CASTORIADIS, 1982, p. 13).
Ora, parece que aquela definição do
elemento espacial informacional, abordada inicialmente, cabe perfeitamente
nessa capacidade “incessante” de gerar social, histórica e psiquicamente um
imaginário da cidade. Da mesma forma, o ritual cotidiano na experimentação do
espaço cria uma representação da realidade com seu simbolismo e, ainda, as
referências históricas rememoram um passado comunitário na formação da
identidade do lugar. Esse não é, nem pode ser, um lugar neutro, na medida em
que se circunscrevem determinados signos neste espaço-tempo e com uma “ordem
significante”6 que está essencialmente
fundada no sujeito que a encontra. É assim que se estabelece essa sensação de
reconhecimento do espaço urbano e, mesmo naquelas cidades desconhecidas, existe
uma lógica espacialmente concebida que irá fazer com que todo indivíduo perceba
determinados elementos urbanos como se encontrasse alguma coisa em seu inconsciente
que os tornassem familiares.
Assim, a cidade como totalidade e, mesmo,
suas partes já apresentam em si uma lógica espacial simbólica muito peculiar
onde engendra suas relações com os sistemas de objetos e os sistemas de ações
humanas. Mas, ensina Castoriadis (1982) que existe um componente imaginário em
todo símbolo e em qualquer nível que ele se apresente (CASTORIADIS, 1982, p.
154). Lembra ainda que o termo imaginário poder-se-ia empregar para falar de
algo “inventado”, seja uma estória imaginada ou um deslocamento dos símbolos
usados, isto é, algo subjacente investido de outras significações, metáforas ou
metonímias, fruto da imaginação. Segundo Sartre, “se me examino a mim mesmo sem
preconceitos, observarei que opero espontaneamente a discriminação entre a
existência como coisa e a existência como imagem” (SARTRE, 2006, p. 08). Mas
esse afastamento do objeto, enquanto recuo necessário para abstração e ação da
faculdade imaginativa, não cria imagens (FLUSSER, 2007, p.164).
A “imaginação” (Einbildungskraft) por si só não é
suficiente para criar imagens. Aquilo que é visto (o fato, a circunstância)
deve ser fixado e se tornar acessível para todos. Deve ser codificado em
símbolos, e esse código deve ser alimentado em uma memória[...]; o código existe
para ser decifrado pelos outros (FLUSSER,
2007, p.164).
O imaginário será sempre algo
descolado do real. Dessa forma, usa o simbolismo como representação e a
percepção do espaço-tempo real, não somente para exprimir-se, o que é óbvio,
mas para “existir” e passar do virtual a qualquer coisa a mais (CASTORIADIS,
1982, p. 154). Portanto, o imaginário é, de certa forma, composto por imagens
como representação de “outra coisa”. É o real transmutado em algo que ele não
é, mas, como forma de representação ou, ensina Baudrillar (1991), como
simulação. Esta capacidade simbólica estabelecida por um vínculo permanente
entre a realidade das coisas e sua representação é uma função imaginária. Nos
estudos antropológicos de Gilbert Durand (1997) o imaginário é o trajeto no
qual a representação do objeto “se deixa assimilar e modelar pelos imperativos
pulsionais do sujeito” (DURAND, 1997, p. 41). Assim, a história e as artes são
apenas algumas das muitas extensões dessa “essência do espírito” humano como
recurso expressivo do imaginário “por meio da forma espacial” (DURAND, 1997, p.
432).
Longe de ser
epifenômeno passivo, aniquilação ou então vã contemplação de um passado
terminado, o imaginário não só se manifestou como atividade que transforma o
mundo, como imaginação criadora, mas sobretudo como transformação eufêmica do
mundo, como intellectus sanctus, como
ordenança do ser às ordens do melhor (DURAND, 1997, p. 432).
Dessa forma, os elementos construídos
e referências paisagísticas, bem como a própria estrutura urbana e as diversas
inter-relações sociais são constituintes importantes e indissociáveis de seus
atributos de algo criado como cultura, ou seja, são efetivas instituições
imaginárias da cidade, carregando em si certa ordem significante e simbólica. O
que se pretende, em último caso, com o simbolismo é estabelecer um discurso
lógico que transmita um sentido que possa ser percebido, racionalizado e
imaginado. Mas, a cidade elaborada em nível do simbólico é combustível de um
imaginário, está no inconsciente do sujeito, em seu “esquema
organizador-organizado que se representa por imagem”. Em seu “sistema
relacional articulado” como a “fonte da significância simbólica ulterior”
(CASTORIADIS, 1982, p. 172). Portanto, como admite o próprio Castoriadis (1982)
existe a possibilidade de se penetrar no labirinto do imaginário através
daquilo que “cresce imediatamente na superfície da vida social”. Assim, pode-se
chegar a significações e articulações desta sociedade, não apenas representações,
mas “esquemas organizadores que são condição de representabilidade de tudo que
essa sociedade pode dar-se” (CASTORIADIS, 1982, p. 173).
Esta categorização do espaço da
cidade enquanto imaginário como em uma espécie de espelho tridimensional, ou
hologramático, permite uma depreensão-percepção sensório-motora desse
espaço-tempo social.
Ou seja, as sociedades são a imagem
que têm de si vistas nos espelhos que constroem para reproduzir as
identificações dominantes num dado momento histórico. São os espelhos que, ao
criar sistemas e práticas de semelhança, correspondência e identidade,
asseguram as rotinas que sustentam a vida em sociedade [...]. (SANTOS, B. de
S., 2007, pp. 47-48).
Portanto, as memórias, os relatos, as
representações artísticas e, atualmente, as imagens veiculadas nas redes mundiais,
via satélite ou Internet, formam os elementos simbólicos que são depreendidos
como um pano de fundo desta imagem social. A cidade é captada pelo indivíduo e
pela sociedade de uma forma determinada, com um sentido articulado e em função
de um sistema de significações. Dessa forma, colaboram para a formação de um
imaginário tanto as artes visuais, pintura, fotografia, cinema, literatura,
passando pelas crônicas jornalísticas, o espaço virtual telemático, outros
meios áudio-visuais, bem como as novas tecnologias de comunicação e informação.
Os monumentos conservados no espaço urbano como patrimônio histórico também servem
bem a esse propósito de constituição de um imaginário. Mas, a cidade como
sistema de informação está prenhe de possibilidades e de variáveis para as
leituras e interpretações desses atributos, com base nas referências históricas
e da memória. A cidade, através da:
[...] tecnologia
moderna continua sendo, e será sempre um espaço visual, um espaço que poderia
ser organizado como sistema de informação. Mas pelo simples fato de ser espaço
e, portanto, em última análise, pensamento, ele fixa a notícia, dá-lhe um
sentido, um lugar, um valor; acentua como essencial o instante em que é
recebida; obriga-a a provocar uma reação, iniciar um processo que poderá
concluir-se com juízo de valor, uma decisão moral (ARGAN, 2005, p. 223).
Este caráter de uma “memória viva” da
cidade, em sua relação com a sociedade, é sua função antropológica enquanto
identidade cultural da comunidade com seu lugar. No entanto, o espaço é uma
categoria de pensamento fundamental e não apenas “aspecto contingente”, mas,
também expressa conteúdos da ação humana (HARVEY, 2007, p.190). A capacidade de
um indivíduo ler e interpretar o espaço da cidade é desenvolvida ao longo de sua
vida e de suas inter-relações ambientais, sociais e culturais. É produzida por
um repertório adquirido com o filtro social e cultural, através de ponderações
e interações entre os vários sistemas informacionais desta rede de ambientes
construídos e/ou naturais, bem como, através das conexões espaciais e sociais.
Cada porção do espaço da cidade está carregada de atributos informacionais de
história, de memória e de cultura que produzem subjetividade e criam, ou
reproduzem, uma imagem como referência simbólica. Le
Goff (1996) coloca a história como o registro de um acontecimento singular, ou
série deles com personagens únicos no tempo-espaço. Conclui que a obra do
historiador, por sua característica, é “[...] uma forma de atividade
simultaneamente poética, científica e filosófica” (LE GOFF, 1996, pp. 15-37).
Walter Benjamin (1994), pensando sobre o conceito da história, escreve que: “A
verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa fixar, como
imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido”
(BENJAMIN, 1994, p. 224).
A cidade como produto do trabalho
humano sobre o espaço se forma e se apropria das memórias criadas pelas
vivências das comunidades e dos indivíduos. A identidade do cidadão com o seu
espaço urbano é estabelecida na medida em que haja uma percepção de
pertencimento a uma comunidade, estabelecendo vínculos que o identificam com os
outros. O cotidiano urbano promove uma intensa experiência social de lugar e isto cria imensa carga
emocional com os espaços tornando-os dispositivos simbólicos, ou seja,
carregados de significação (CERTEAU, 1996). O processo de relações cotidianas
entre o homem e seu espaço urbano cria um entrelaçamento que forma um tecido
social, costurado e cerzido no espaço urbano através de uma sociabilidade ativa
(CERTEAU, 1996). É claro que esta cotidianidade cria e nutre espaços de memória
individual e coletiva construídas por uma narratividade espaço-temporal onde a
cidade é um ser plural prenhe de subjetividade.
Considerações finais:
Essa profusão de informações
provenientes dos espaços de vivência na cidade estabelece uma significação da
percepção em nível simbólico. Ou seja, o mundo se ordena segundo as capacidades
de percepção do corpo do indivíduo e os objetos que o cercam refletem uma
possível ação deste sobre eles (BERGSON, 2006, p. 82). Assim, o corpo quando em
contato com o espaço da cidade elabora percepções e pode criar movimentos ou
sensações que podem se tornar lembranças, isto é, a criação de significados
singulares de relação com os objetos exteriores. Os estados afetivos derivados
da mera percepção das coisas e do mundo exterior, da cidade, são os promotores
de uma memória “[...] que prolonga uns nos outros uma pluralidade de momentos”
(BERGSON, 2006, p. 87). A lembrança de uma sensação é um estado da mente onde
uma coisa seria capaz de sugerir ou fazer renascer uma memória que emerge do
inconsciente por sugestão, “[...] uma marca do que não existe mais, do que
ainda queria ser” (BERGSON, 2007, p. 51).
Essa é uma forma de produção de
subjetividade pelas qualidades sensíveis do espaço urbano real, em uma formação
da memória e de uma percepção singular e temporalizada dos objetos e elementos
da cidade. O imaginário está,
pois, conectado ao espaço da civitas,
da urbe e da pólis e às questões de
uma memória historicamente coletivizada, criando-se um campo de significações e
qualidades espaciais. Proporcionam uma identidade cultural e, portanto,
estabelecem as condições essenciais para a sua singularidade no sistema de
capitalismo mundial integrado.
No entanto, a questão de uma
identidade cultural nos tempos atuais implica em uma ainda infindável discussão
na teoria social. Mas, como demonstra Hall (2006), está acontecendo uma mudança
estrutural nas sociedades modernas do fim do século XX. Há uma fragmentação das
paisagens culturais, das classes, dos gêneros, da etnia e até das
nacionalidades que até então “[...] tinham fornecido sólidas localizações como
indivíduos sociais” e ajudado a formar uma concepção de identidade. Stuart Hall
(2006) estabelece três concepções de identidade baseadas no sujeito
historicamente constituído, quais sejam, o sujeito do iluminismo, o sujeito
sociológico e o sujeito pós-moderno. O sujeito do iluminismo seria embasado no [...]
indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de
consciência e da ação”. O sociológico, refletindo a complexidade do mundo
moderno e a “[...] consciência de que este núcleo interior do sujeito não era
autônomo”, mas sim formado pela sua relação com as outras pessoas que mediavam
valores, sentidos e símbolos (HALL, 2006, p. 11). Por fim, o sujeito
pós-moderno que “[...] assume identidades diferentes em diferentes momentos,
identidades que não são unificadas ao redor de um eu coerente” (HALL, 2006, p.
13). Esta é uma explicação para o que se caracterizou como “crise de
identidade”, onde está acontecendo um duplo deslocamento dos indivíduos de “[...]
seu lugar no mundo social e cultural”, bem como de si mesmos (HALL, 2006, p. 09).
E isto está, conclui Hall (2006), produzindo o “[...] sujeito pós-moderno,
conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente”,
pois está sendo formado e transformado pelas formas de representação ou
interpelação nos sistemas culturais que o rodeia (HALL, 2006. pp. 12-13). A identidade
também pode ser forjada pelo reconhecimento da diferença, da multiplicidade dos
“sistemas de significação e representação cultural” em processo cada vez mais
intenso na globalização com a criação de culturas híbridas (CANCLINI, 2001).
Portanto, também a dimensão da orbe, esta nova sociedade mundial integrada,
pode influenciar na hibridização desse imaginário da cidade com uma
globalização imaginária.
Há ainda deslocamentos da identidade
enquanto uma cartografia antropológica como suporte para desenvolver as
diversas dimensões de um ser (LÉVY, 1998, p. 130). Lévy (1998) argumenta que a
construção da identidade de um ser é como “[...] uma rede de relações cósmicas
que o definem e designam seu lugar” e essa identidade “[...] organiza-se em
torno de imagens dinâmicas, imagens que ele produz por intermédio de exploração
e transformação das realidades virtuais das quais participa” (LÉVY, 1988, pp.
131-134). Essa nova dimensão para a idéia de uma identidade cultural para a
cidade, por meio do espaço virtual, é uma visão sociológica do intelectual
coletivo, como construção de um cinemapa de significações e de uma cartografia
hologramática para a cidade. No entanto, como admite Lévy (1998), a quântica
desta qualidade de vida social no ciberespaço7
“[...] pulveriza os signos do saber ou da identidade, mas, também, permite-lhes
fluir, mesclar-se, reencontrar-se, valorizar-se, dilatar-se e trocar-se [...]” (LÉVY,
1998, p. 137). É neste universo da multiculturalidade e da hibridização das
culturas que atua Canclini (2001) e, por conseguinte, num deslocamento das
identidades culturais e dos imaginários da cidade em tempos de globalização.
No entanto, para o entendimento do
que seria a formação de uma identidade cultural para a cidade, dever-se-iam, ainda,
abordar os deslocamentos paradigmáticos provocados pelas novas tecnologias de
informação e comunicação nesta nova forma de capitalismo da pós-modernidade.
Essas mudanças culturais, tanto quanto as econômicas e sociais dessa sociedade
pós-industrial implicam em uma nova dimensão cognitiva (COCCO, SILVA e GALVÃO, 2003).
Desse modo, impor-se-ia para a cidade um novo papel, um novo imaginário como
reflexo manifesto dessa nova economia contemporânea do capitalismo cognitivo8. O
importante é que esse novo modo de produção transformará as identidades
culturais da cidade na mesma medida em que a forma-mercado, a forma-mercadoria,
bem como o mercado de trabalho, os bens e serviços. Tudo isso provocaria
mudanças na técnica e na forma de espaço-tempo da sociedade contemporânea e na
organização do território da cidade (COCCO, SILVA e GALVÃO, 2003, p. 39). E
essas mudanças ainda se refletirão na economia pós-industrial globalizada
fundada no tratamento da informação em um ciclo de produção imaterial9 e reprodução de subjetividade (LAZZARATO e
NEGRI, 2001, p. 30). Assim, a instituição de um imaginário da cidade poderá ser
um catalisador do trabalho imaterial para transformá-la em mercadoria de
consumo.
A linguagem espacial se confunde com
a própria realidade e desse modo é mais facilmente absorvida como “verdade”
intrínseca da vida. A semiologia como ciência geral dos signos foi postulada
por Saussure (1916) em seu “Curso de Lingüística geral”. Os objetos, imagens,
comportamentos e gestos significam, mas não de maneira autônoma, pois, “[...] qualquer
sistema semiológico repassa-se de linguagem” (BARTHES, 2006, p. 12). Este
sistema se significações da linguagem, como projeto estruturalista, é a
construção de um “[...] simulacro dos objetos observados” (BARTHES, 2006, p.
103). “O homem vive com seus objetos,
fundamental e até exclusivamente, tal como a linguagem lhos apresenta, pois
nele o sentir e o atuar dependem de suas representações” (CASSIER, 1972, p. 23). Portanto, a manutenção do imaginário
é a garantia de se preservar o poder e a ordem urbana através da reprodução
espacial e do controle sobre os meios de comunicação de massa, enfim, das
tecnologias de informação e legitimação do saber. Lyotard (1986) afirma que o “[...]
saber científico é uma espécie de discurso” que procura manter o poder do
conhecimento restrito como forma de controle da sociedade por uma elite,
política ou acadêmica (LYOTARD, 1986, pp. 4-6). E também a posição do saber nas
sociedades mais desenvolvidas, e este, enquanto discurso científico legitimado,
é a principal força de produção e desafio na “competição mundial pelo poder”.
(LYOTARD, 1986, p. 05). As cidades são espaços relevantes nesse contexto para
manter e ressignificar as forças geopolíticas do capitalismo, pois a
industrialização e a urbanização são processos xipófagos e interdependentes. David
Harvey (2007) aborda a questão das mudanças sócio-econômicas, a partir de 1972,
promovendo novas formas de percepção do tempo e do espaço provocadas pelo
processo de acumulação capitalista e o surgimento de uma nova sociedade
pós-industrial.
Entretanto, agora, nessa fase pós-industrial,
em tempos de virtualização da produção, dos mercados e do consumo globalizado,
o fenômeno urbano estaria configurado como uma mercadoria imaginária ou, ainda,
como força imaginativa. Assim, a instituição de um imaginário da cidade poderá
ser um processo de conservação da organização social ou um catalisador do
trabalho imaterial na produção de subjetividade. Não só uma mercadoria de
consumo imagético, mas, também, um processo de transformação socioambiental
através da força imaginativa. É um enfoque de representação simbólica
socioespacial que, com certeza, será complementar ao conceito de cidades
globais, proposto por Saskia Sassen (1998), como lugares-chave para os serviços
de gerenciamento e controle das operações econômicas globais. “As cidades
globais são lugares-chave para os serviços avançados e para as telecomunicações
necessárias à implementação e ao gerenciamento das operações econômicas
globais” (SASSEN, 1998, p. 35). Portanto, como mostra Canclini (2007), a
identidade cultural nas cidades globais representa uma grande força imaginativa
e um caráter singular enquanto imaginário. Desse modo, as cidades que também
apresentam atributos espaciais e experimentam espaço-tempo de um imaginário
singular e de subjetividade tem maior potencial na rede do capitalismo mundial
integrado. Representa uma mais-valia espacial enquanto máquinas de sentir, na
medida em que seriam lugares estratégicos de experimentação e percepção do
espaço-tempo urbano na rede global. O imaginário da cidade, desse modo,
armazena uma imensa e infinita quantidade de memória, história, vida
socioambiental, atributos espaciais e identidade cultural que se transforma em
uma poética urbana, isto é, em subjetividade. É, pois, oportunidade para surgir
a “cidade subjetiva” (DELEUZE e GUATARRI, 1995). Ou a reinvenção de um devir urbano prenhe de
significações e que depende de um novo urbanismo com “[...] responsabilidades
estéticas, éticas e políticas” (GUATARRI, 2006, p. 178).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ARGAN, Giulio Carlo. A história da arte como história da
cidade. 5ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2005.
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulações. Lisboa: Ed.
Relógio D’Agua Editora Ltda, 1991.
__________. O sistema dos objetos. 4ª ed. - São Paulo:
Perspectiva, 2006.
BARTHES, Roland. Elementos de semiologia.
16ª ed. - São Paulo: Cultrix, 2006.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica,
arte e política: ensaio sobre literatura e história da cultura. 7ª ed. - São
Paulo: Brasiliense, 1994.
BERGSON, Henri. Memória e vida. 4ª
ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2006.
CANCLINI, Néstor Garcia. A globalização imaginada. 3ª ed. -
São Paulo: Iluminuras, 2007.
__________. Culturas hibridas. Madri: Paidos, 2001.
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição
imaginária da sociedade. 3ª ed. - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
CASSIER, Ernest. Linguagem e mito. 2ª ed. - São Paulo:
Perspectiva, 1972.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano:– 2. morar,
cozinhar. 3ª ed. - Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
COCCO,
Giuseppe; SILVA, Gerardo e Galvão, Alexander Patez. (orgs.). Capitalismo
cognitivo. São Paulo: DP&A
Editora, 2003.
COELHO NETTO, Jose Teixeira. A
construção do sentido na arquitetura. 3ª ed. - São Paulo: Editora Perspectiva,
1999.
DELEUZE, Giules e GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo
e esquizofrenia. 4ª ed. - São Paulo: ed. 34, 1995.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do
imaginário. 2ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, 1997.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do
design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
GUATTARI, Felix. Caosmose: um novo paradigma estético. 3ª ed. - São Paulo : ed. 34, 2006.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 4ª ed. - São Paulo:
Edições Loyola, 2007.
HOLANDA, Frederico de. O espaço de
exceção. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.
LE GOFF, Jacques. História e memória.
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2ª ed. -
São Paulo: Ed.34, 1999.
__________. A inteligência coletiva:
Por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.
LOJKINE, Jean. O estado capitalista e
a questão urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins
Fontes, 1973.
LYOTARD, Jean-Françoise. O pós-moderno. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1986.
MENDONÇA, Eneida M. Souza. (Trans)formação planejada de
territórios urbanos em Vitória (ES): o bairro de Camburi, 1995, 432 p.
Dissertação de mestrado - Urbanismo. FAU/USP, São Paulo.
MUNFORD, Lewis. A Cidade na História: suas origens, desenvolvimento e
perspectivas. São Paulo: Martins Fontes, 1982.
NEGRI, Antonio e LAZZARATO,
Maurizzio. Trabalho imaterial - Formas de vida e produção de subjetividade. São
Paulo: DP&A Editora, 2001.
ORTEGA Y GASSET, José. Meditación
de la técnica y otros ensayos sobre ciência y filosofia. Madrid: Alianza, 1982.
ROSSI, Aldo. A arquitectura da
cidade. Lisboa: Cosmos, 1966.
SANTOS, Boaventura de Souza. A
crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo:
Cortez, 2007.
SANTOS, Milton. Espaço e método. São
Paulo: Ed. Nobel, 1985.
___________. A natureza do espaço:
técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2002.
___________. Técnica, espaço, tempo –
globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Editora
HUCITEC, 1994.
SARTRE, Jean-Paul. A Imaginação.
Lisboa: Difel, 2006.
SASSEN, Saskia. As cidades na
economia mundial. São Paulo: Studio Nobel, 1998.
SECCHI, Bernardo. Primeira lição de
urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 1998.
TUAN, Yi-Fu. Topofilia - Um estudo da
percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: DIFEL, 1980.
RESUMEN:
El Imaginário de la Ciudad y la Globalización.
La
ciudad es siempre una infinidad de informaciones llenas de atributos que forman
un juzgamento de valor cultural representativo socialmente. Es una red
simbólica que se manifiesta en un sistema de estruturas espaciales y humanas.
La instituición de un imaginário de la ciudad, seria un catalizador de su
transformación socio-ambiental. Las ciudades serian máquinas de sentir, de
experimentación sensório-motora en un espacio-tiempo. Y su imaginário podria,
todavia, agregar valores conectando la identidade cultural local a atributos
globales, como una más valia espacial, esto es, referencia espacial de
subjetividad dentro de la red mundial de ciudades.
Palabras Claves: ciudad,
imaginário, globalización.
ABSTRACT:
The Imaginary of the City and the Globalization
The
city is always a plethora of information for pregnant attributes that make a
judgement of cultural value socially representative. It is a symbolic network
that is manifested in a system of spatial structures and humanities. The
establishment of an imaginary of the city would be a catalyst for socio its
transformation. The cities of machinery would feel, sensory-motor testing in a
space-time. And his imagination could also add value connecting to the local
cultural identity attributes overall, as an added value space, that is, spatial
reference of subjectivity into the global network of cities.
Keywords:
city, imaginary, globalization.
RÉSUMÉ:
L’imaginaire de la ville et la mondialisation
La ville est toujours une multitude d'informations plein d’attributs
qui rendent un jugement de valeur culturelle socialement représentant. Il
s'agit d'un réseau symbolique qui se manifeste dans un système de structures
spatiales et humaines. La création d'une imaginaire de la ville serait un
catalyseur pour l’environnement développement. Les villes sont de machines de
sentimentt, d’experiences sensoriells dans un espace-temps. Et votre imaginaire
pourrait également ajouter de la valeur de connexion au identité culturelle
locale attributs mondial, plus de valeur que l'espace, c'est-à référence
spatiale de la subjectivité dans le réseau mondial des villes.
Mots-clés:
ville, imaginaire, la mondialisation.
NOTAS:
[1] A
distinção entre as palavras e as coisas e suas relações discursivas para
expressar significados foi uma preocupação de Foucault. “Certamente os
discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses
signos para designar coisas. É esse mais
que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala” (FOUCAULT, M. A
arqueologia do saber. 5ª ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 55).
2 O nível da civilização, para alguns
geógrafos, pode ser medido pelo nível das suas técnicas (SANTOS, 2002, p. 34).
3 Estudos do homem e sua relação com os
símbolos estariam, efetivamente, ligados, do ponto de vista de uma corrente da
psicanálise, ao entendimento do inconsciente humano. Esta é uma dimensão do
“inconsciente coletivo”, para Carl Yung no livro “O Homem e seus Símbolos”, que
mostra o inconsciente coletivo como guia importante nessa espécie de “filtro de
inteligibilidade” para compreensão dos símbolos. Essa é uma faculdade humana
que utiliza os elementos simbólicos para tornar a vida real familiar, com suas
conotações e significados manifestadamente convencionais. “Quando a mente
explora um símbolo, é conduzida a idéias que estão fora do alcance de nossa
razão [...]”. E sempre “[...] utilizamos termos simbólicos como representação
de conceitos que não podemos definir ou compreender” (YUNG, C. [Org.]. O Homem
e seus Símbolos. - São Paulo: Nova Fronteira/Aldus, 1964, p. 21). Como mostra
Bourdieu (2007), os símbolos são instrumentos da “integração social”, tornam
possível o consenso “[...] acerca do sentido do mundo social” e contribuem
"[...] fundamentalmente para a reprodução da ordem social [...]” (BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. -
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 10).
4 As imagens arquiteturais percebidas no
espaço urbano são de uma ordem diferente das outras formas de representação da
realidade através da arte ou de virtualidades imagéticas da fotografia, da
pintura ou do cinema (VIRILIO, P. Espaço crítico. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993,
p. 55).
5 A “sintaxe espacial” como referencial
teórico emergiu no início da década de 70 com Hillier e Leaman. Posteriormente,
com o livro “The Social Logic of Space”, de Hillier e Hanson (1984), é que o
“[...] referencial epistemológico, assim como os conceitos e as categorias
analíticas básicas, foram mais completamente reunidos pela primeira vez”
(HOLANDA, 2002, p. 85).
6 “Há uma eficácia do significante que escapa
a toda explicação psicogenética, pois essa ordem significante, simbólica, o
sujeito não a introduz, e sim a encontra”. Jacques Lacan Apud Cornelius Castoriadis (CASTORIADIS, 1982, p. 146. - LACAN, J.
Seminário 1956-1957. In PONTALIS,
J.B. Bulletin de psychologie, vol. X, nº 7, abril, 1957, p. 428).
7 Ciberespaço é caracterizado a partir da
difusão dos computadores pessoais e da interconexão de redes, onde a Internet é
um símbolo. “O ciberespaço é efetivamente um potente fator de desconcentração e
de deslocalização, mas nem por isso elimina os centros [...]”. Por outro lado,
o “[...] seu principal efeito seria antes o de tornar os intermediários
obsoletos e de aumentar as capacidades de controle e de mobilização direta dos
nós de poder sobre os recursos, as competências e os mercados, onde quer que se
encontrem” (LÉVY, 1999, p. 190).
8 O capitalismo cognitivo é uma hipótese
levantada no livro organizado por Giuseppe Cocco, Alexander Patez Galvão e
Gerardo Silva (2003). “A hipótese geral – já somos alguns a propô-la – é de que
a longa crise atual, nomeada pelo termo ‘globalização’, traduz uma mutação
radical e estrutural do capitalismo, em que o pós-fordismo desemboca no
capitalismo cognitivo” (MOULIER-BOUTANG, T. O território e as políticas de
controle do trabalho no capitalismo cognitivo. In COCCO, G., SILVA, G. e GALVÃO, A. P. [orgs.].
Capitalismo Cognitivo. - Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 37).
9 O trabalho imaterial é uma característica
da economia pós-industrial, presente tanto na indústria quanto no terciário,
acentuado na forma da produção: “A
produção audiovisual, a publicidade, a moda, a produção de software, a gestão
do território etc, são definidas através da relação particular que a produção
mantém com o seu mercado e os seus consumidores” (NEGRI e LAZZARATO, 2001, p.
45). “[...] a memória contém em si o
instrumento, a matéria-prima e a energia necessários para a produção e
reprodução dos conhecimentos [...]. As imagens, as sensações, as palavras e os
conceitos constituem sua matéria-prima, e a energia necessária à produção é uma
energia psíquica ou não-orgânica”. (COCCO, G., SILVA, G. e GALVÃO, A. P.
[orgs.], 2003, p. 71).
Nenhum comentário:
Postar um comentário