domingo, 26 de janeiro de 2014


A LEGISLAÇÃO COMO PACTO SOCIOAMBIENTAL E PRESERVAÇÃO DO IMAGINÁRIO DA CIDADE: VILA VELHA /ES - 1948 A 2008

Antonio Chalhub
Mestre em Urbanismo, Departamento de Planejamento Urbano e Gestão Ambiental, Faculdade SABERES, Vitória- ES, Telefone/fax: 55 –  27 – 3227 8203, chalhub@antoniochalhub.com.br  

RESUMO:
Os elementos históricos e culturais, que configuraram o imaginário da cidade de Vila Velha/ ES, estão também legitimados socialmente nas leis municipais. Estas legislações urbanísticas e ambientais, no período de 1948 a 2008, foram organizadas e sistematizadas com enfoque nestes elementos. Foram categorizadas como: desenvolvimento urbano, quando tratam da manutenção e melhorias do tecido urbano e das ambiências de certas áreas da cidade; ambientais quando procuram identificar elementos de interesse paisagístico ou ecológico e que caracterizam o sítio geográfico da ocupação urbana; leis de planejamento quando regulamentam o parcelamento, o uso e a ocupação do solo. E ainda leis de gestão da cidade, quando abordam os arranjos institucionais e as estruturações administrativas, fiscalização e controle do uso e ocupação do território. Parte desse instrumental jurídico-legal objetiva a preservação de um patrimônio coletivo em contraposição ao processo de renovação e especulação urbanas.
A história da “cidade em si” em meio ao processo de construção de um novo território urbano, em conjunto com a cidade precedente, como diz Giovannoni (1995), fica explicitada nestas tentativas de preservação socioambiental de elementos paisagísticos, urbanísticos, arquitetônicos, artísticos, históricos e simbólicos que a legislação identifica e, de certa forma, protege. O pacto socioambiental de Vila Velha, representado pela legislação, principalmente no Plano Diretor Municipal – PDM trata da preservação do patrimônio, reafirmando estes elementos que compõem a memória coletiva e constituem a identidade desta comunidade. Os cidadãos, pois, se constroem e se reinventam com os significados e atributos do conjunto destes elementos, com a “[...] identificação simbólica por parte de um ator social [...]” (CASTELLS, 2008, p. 25) com seu patrimônio histórico, cultural e ambiental. O pacto socioambiental legitimado no plano diretor através do embate entre os interesses econômicos, políticos e a organização da sociedade civil mantém alguns desses elementos preservados no tecido urbano.
Alguns elementos estruturantes do solo urbano tais como a estrutura fundiária do território, a construção civil, os ciclos econômicos e as obras públicas, de certa forma, condicionam o processo de produção do espaço urbano e direcionaram a ocupação e o uso do solo. Assim, buscou-se compreender em que medida as formulações destas legislações urbanísticas e ambientais no município poderiam ser configuradas enquanto um pacto urbano que veio regular o parcelamento, o uso e a ocupação do solo ou somente legitimar o processo de especulação imobiliária. Esse pacto emerge das articulações políticas entre as forças sociais da sociedade civil organizada, os agentes econômicos e os representantes políticos como reação ao intenso processo de urbanização do município ou como forma de consolidar as potencialidades de uma indústria da construção civil emergente. Assim a pesquisa levantou e sistematizou as legislações urbanísticas e ambientais de modo que possibilitem comparativos entre as históricas transformações na ocupação do solo urbano e a instituição de um pacto socioambiental, bem como sua importância no processo do planejamento urbano em Vila Velha.
Desse modo, discute três questões principais, quais sejam:
1- As legislações urbanísticas e ambientais podem ser consideradas enquanto um pacto socioambiental?
2 - Qual a importância do patrimônio histórico e ambiental para a instituição de um imaginário da cidade no pacto socioambiental?
3 - Em que medida este pacto socioambiental em Vila Velha / ES consolidou instrumentos de planejamento urbano?
A pesquisa mostra que os principais elementos que compõem o patrimônio histórico, cultural e ambiental da cidade de Vila Velha estão identificados e refletidos nas suas leis, no período estudado desde a colonização portuguesa em 1948 até 2008, como uma “cartografia simbólica”, no conceito de Boaventura Santos (2007). Deste modo, o planejamento urbano como lei assume importante papel em manter o tecido urbano conectado ao mapa emocional de sua identidade socioambiental e, ao mesmo tempo, harmonizar os diversos interesses coletivos que devem ser pactuados no uso e ocupação do solo, principalmente na modernização da cidade e o processo de especulação com a terra urbana, em contraponto com a cidade histórica. Estes elementos do imaginário socioambiental da cidade delimitados e identificados nas leis urbanísticas e ambientais têm garantido, de certo modo, sua preservação e devem ser divulgados, conservados e fiscalizados pela população.

Palavras-chave: imaginário, cidade, legislação urbanística e ambiental.


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